segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Talk-Show.

Outro dia comum na minha vida. Estou sentado em um estúdio de televisão, em uma poltrona branca e confortável. Ao meu lado mais três homens, a minha frente a platéia com cartazes e entre nós uma mulher com um vestido que parece ser um vestido de noite, segurando um microfone enorme. Uma voz sai dos altos falantes do estúdio: “No ar em.. 3...2...” E logo começa a tocar uma música brega, a platéia se inflama, os câmeras começam a trabalhar de um lado para o outro filmando tudo o que podem e a mulher começa a falar.

- Boa noite a todos !! Bem Vindos ao Talk-Show dessa noite que trás 4 super heróis e nós vamos conhecer hoje um dos maiores segredos deles: Por que eles lutam??

A platéia pula de um lado para o outro gritando. Os homens ao meu lado acenam de leve, eu acompanho. Tímido. Esfrego as mãos umas nas outra em um clássico sinal de nervosismo. A mulher vem toda rebolante, passando na frente de um por um, nos cumprimentando. Ela sorri para cada um dos três homens. Fortes, bonitos, alinhados. E para mim é um só um simples sorriso leve e uma virada de costas. Acho que eu não sou tão famoso assim. Solto um leve riso. Ela se vira ao público falando algum non-sense enquanto aparentemente eu sou o único que me preocupo em olhar para os colegas de profissão e dar um tímido boa noite a todos e apertar a mão deles timidamente. Eles respondem prontamente. Logo a mulher se vira e para na frente do primeiro. Um homem forte, bonito, imponente, com um sorriso de dar inveja.

- Boa noite. Por que o senhor luta? Qual o motivo que faz você se arriscar por outras pessoas.

Ele sorri canastrão, pega o microfone e com aquela voz doce e gesticula.

- Sabe, ainda bem que você perguntou por que....

E ele começa a falar e contar uma história triste de como veio de um outro planeta e teve a ajuda de humanos e todas essas coisas mais. Uma bela história, de fato.

- ...E pelo fato de eu ser mais forte que os homens comuns, eu me sinto no dever de proteger o cidadão de bem e ajudar o mundo a ser um lugar melhor.

Assim que ele acabou de falar todas as menininhas da platéia quase desmaiaram. Cartazes foram agitados. E perdemos uns 15 minutos do programa por que o homem se levantou e resolveu assinar umas fotos que algumas pessoas vieram pedir. Paciência. Assim que o homem sentou, a apresentadora caminhou na direção do segundo homem. Um homem um pouco mais velho, com um ar sinistro e misterioso.

- O senhor? O que faz você acreditar nas pessoas a ponto de querer salva-las?!

O homem pegou o microfone e falou com uma voz grossa, firme e cabulosa.

- Tudo começou quando eu era criança....

E ele começou a história de que viu os pai serem assassinados e depois pegou o dinheiro da família e foi procurar um sentido para a vida e acabou aprendendo a lutar e quando resolveu voltar para a cidade tinha tanta grana que resolveu se equipar e combater o crime.

- E então, como eu tenho mais treinamento e mais dinheiro que as pessoas comum, eu me equipo e luto para que nenhuma outra criança tenha que ver os pais morrerem num assalto.

Pronto! Essa foi a frase chave para que as pessoas da platéia mais uma vez parassem tudo aos berros ovacionando o homem que por sua vez não se altera nem se mexe, mantendo o ar sombrio e mal que ostenta. A apresentadora olha para ela por um tempo e não consegue se segurar. Olha para a câmera mais próxima e leva o microfone até a boca.

- Nossa! Impressionante, gente.

E ela logo se dirige ao terceiro. Um jovem um pouco mais magro que os outros ainda sim, mas em forma do que eu. O rapaz tinha um sorriso bobo nos lábios, parecia ser um pouco tímido mas logo que chegou a vez dele ele se soltou.

- E você? Nossa. Você é jovem. Por que você luta? Por que prende os... “ Caras maus”?

E o rapaz desandou em mais uma história triste.

- Sabe, eu fui mordido por um inseto e logo quando estava descobrindo meus poderes eu deixei um bandido fugir por que....

E ele contou sobre o cara que deixou fugir e posteriormente ele matou a figura paterna dele. Eu comecei a ficar preocupado. Eu não era tão nobre assim. Não tinha história triste e provavelmente a platéia não queria nem saber de mim. Mas eu já estava lá.

- E por isso eu me esforço. Por que eu tenho poderes e tenho responsabilidades por tê-los. E não vou falhar!

Mais uma vez a platéia quase colocou o estúdio abaixo e gritavam e a apresentadora fazia aquela cara de pseudo-intelectual e começava a filosofar em cima do que os outros três haviam dito enquanto o jovem se levantava para agradecer e logo sentava. E finalmente chegava minha vez. A apresentadora parou na minha frente, me olhou de cima a baixo e com um sorriso quase que sarcástico falou comigo.

- E você? Não é rico, não tem poderes, não tem uma história triste... Por que você luta?

Essa frase veio com um tom de surpresa misturada com pena e dúvida. Eu sorri, olhei à minha volta e todos me olhavam com a mesma cara dela. Uma cara de “Duvido”. Peguei o microfone timidamente, olhei para os lados, para a platéia, para a câmera e finalmente fixei os olhos na apresentadora atônita.

- Por amor às causas perdidas.

Devolvi o microfone para ela e o silêncio que se fazia no estúdio era digno de um filme de faroeste, pouco antes do duelo final. Quase pude ver a bola de feno passando. Ninguém aplaudiu. Ninguém gritou meu nome. Ninguém me agradeceu. E eu... Sorri.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Super Eu.

Ouço um grito de socorro. E lá vou eu correndo com minha fantasia colorida. Largando tudo e todos da minha vida pessoal para salvar um estranho que precisa de ajuda. Entro na cabine telefônica. Um giro supersônico e pronto. Estou com a minha roupa. Corro com uma velocidade além da imaginação. Salto, desvio, faço de tudo um pouco para chegar no lugar o mais rápido possível. E lá está o fraco e oprimido em perigo. Um vilão assalta sua pobre loja de frutas. Corro, surpreendo o vilão com a minha super-velocidade, o desarmo e com um soco ele cai desmaiado. Todos aplaudem. O velho me oferece um prêmio, eu nego. Eu faço por prazer e por que sou abençoado com poderes maiores do que os das pessoas comuns. Eu tenho que usar isso para o bem. Volto correndo para o que eu estava fazendo. E já é tarde. Minha oportunidade passou. Paciência.

Outro dia. E eu estou com uma mulher linda. Tudo parece caminhar para o desfecho que eu planejo. Meu sorriso já é antecipado ao da manhã na qual acordarei ao lado dela. Me preparo para pegar nossos casacos para sairmos dali e irmos para o meu apartamento. Mas o que é isso? Sirenes? Droga. Minha felicidade pode esperar. Mais uma vez corro para a cabine telefônica mais próxima. Me troco com o meu giro e corro acompanhando os carros de polícia. E quando chego na casa da moeda da cidade, vejo o local cercado. Os policiais me vêem e se sentem mais calmo. Eu pude ouvir comentários.

- Olhem... Ele chegou. Não estamos mais em perigo!!

Pode até se ouvir alguns aplausos. Eu dou um passo a frente. O sargento se aproxima e toca meu ombro.

- Cuidado... É o “Regret” que ta aí.

“Regret”. Meu pior inimigo. A luta provavelmente vai ser dura. Mas eu vou vencer. Eu tenho que vencer. Eles contam comigo. Dou um passo a frente sem falar muita coisa e vou para a porta. Posso sentir o Sargento nervoso. Ele sabe que eu posso me dar muito mal. Eu entro na casa da moeda e já vejo o rastro de destruição.Pessoas chorando de medo, mesas destruídas, janelas quebradas, balcões virados. E lá está ele. Com malas e malas de dinheiro. Ele me olha. Sabe que eu não posso deixar ele sair com aquilo tudo dali. Ele larga as malas e já corre na minha direção. Mal posso me preparar para a luta e já tomo um golpe forte no queixo. Envergo para trás mas logo sou forçado a envergar para frente por que ele complementou com um soco forte na barriga. Aproveito a posição e subo com um gancho no queixo ele. Ele da alguns passos para trás. Sorri.

- Não esperava menos de você.

Ele fala com um sorriso insano nos lábios. Eu respiro fundo um pouco cambaleante. Ele bate mais forte do que eu pensava. Maldito. Os golpes dele estão cada dia mais forte em mim. Me recupero e me preparo para a luta e corremos um na direção do outro. Socos, ponta pés. Eu vôo para um lado e bato na parede fazendo um grande buraco na mesma. Ele bate com uma mesa em mim. Logo em seguida e ele que esta voando e antes que ele possa atingir o chão já arremesso um daqueles armários de metal em cima dele. Mais buracos na estrutura. A luta se estende por horas a fio. E após muitos socos fortes e muitas coisas quebradas estamos de pé, um de frente para o outro. Ambos em cacos. Eu mal me agüento em pé. Ele já está apoiado em um dos joelhos. A cada respiração mais pesada torço para ele cair. Em vão. Ele continua em pé. Firme e forte. Droga. Cai, desgraçado. CAI! E nada. Ele sorri. Sabe que nenhum de nós tem condições de continuar a luta. Então como último movimento dele ele aperta um botão no cinto. E logo um carrinho voador adentra o local e para ao lado dele. Ele se joga no carrinho como pode e sai voando. E o máximo que posso fazer é esticar o braço na direção, na ilusão de que posso para ele. Pobre de mim. Olho para o lado, na direção da porta. A polícia vai entrar. Não posso deixar que me vejam assim. Me arrasto para os fundos do local e saio cambaleante e mal das pernas e caminho para meu apartamento. E a mulher do restaurante. Esqueci dela. Droga. Ela deve estar uma arara comigo. Paciência. Me jogo na cama. Naquele estado de calamidade pública e ligo a TV. A notícia é que o bandido escapou. Mas estão todos muito gratos a mim. Eu consegui impedir o assalto. Jogo a cabeça para trás, quando ouço o barulho da porta. Provavelmente é meu amigo. Um negro com sotaque da Bahia que sempre me ajuda e dá conselhos quando preciso.

- Você conseguiu!!

Solto um riso irônico e abro os braços.

- Olha o meu estado. Eu tomei uma surra. Que vergonha... Que vergonha...

Ele se senta ao meu lado me entrega um copo de água e um remédio para dor.

- Pode parecer absurdo... Mas não seja ingênuo. Até os heróis tem direito de sangrar.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Dom Quixote.

Estou correndo. Cansado. Com uma armadura pesada de metal. O som de ferro batendo em ferro e da minha respiração ofegante são as únicas coisas que podem se ouvir. Carrego uma espada numa das mãos e um escudo na outra. Corro me protegendo, tropeço, caio no chão, rolo e me arrasto para trás de uma casa. Tiro o elmo, ofegante, suado. Encosto a espada na parede da casa. Coloco parte do rosto para fora da proteção do muro, para ver se vejo se o que corre atrás de mim ainda está por lá. Nada vejo. Respiro aliviado. Olho para um balde de água, nele, meu reflexo.

- Eiii!! Do que você ta correndo?

Respiro fundo

- Como assim?! Você não viu o tamanho daquele monstro?

Ele só pode estar de brincadeira.

- Monstro? Você ta maluco... Não tinha nada lá cara. NADA!

Meu rosto se franze com raiva.

- Nada? Então por que eu estou correndo desse jeito?!

Passo a mão pelo rosto tirando o suor.

- Pelo mesmo motivo de sempre. Você ta vendo coisas grandes de mais onde não tem nada!!!

Eu desisto. Não é possível. Eu vi, eu juro que eu vi. Eu to até machucado. Esse cara acha que é último trakinas do pacote, não é possível. Ele estava lá comigo! Como pode me dizer que aquilo tudo não foi nada. Que não tem nada por lá. Que eu to me preocupando de mais com coisas bobas.

- Você não vê? Eu to todo machucado. Apanhei de mais.

Bato na armadura, ressaltando os amassados.

- Ah, é?! É claro que você ta machucado. É claro que você ta marcado. Você ta vendo uma coisa
onde tem outra. Está tentando passar da maneira errada.

Coloco metade do rosto pra fora de novo, só para checar que aquelas coisas não vieram correndo atrás de mim.

- Vendo coisa onde tem outra? Passar da maneira errada? Do que infernos você está falando?
Puxo minha espada para perto. Só para ter certeza.

- É sempre assim. Sempre que tem uma coisa no seu caminho você inventa de ver ela maior do que ela realmente é. Lembra daquele gato que você jurou de pé junto que era um Leão Gigante?

Levanto as sobrancelhas.

- Oras. Mas era! Um leão gigante... FILHOTE!

Quase sinto um tapa na minha cara.

- Imbecil!! Você sabe muito bem do que eu to falando. Se aquelas coisas que você viu fossem dragões de verdade, me explica por que ainda não vieram voando te matar aqui onde você está? Mesmo depois de você tentar bater neles inúmeras vezes.

Mordo o lábio inferior. Não sei o que responder.

- Eu... Eu não sei.

Começo a achar que ele tem razão.

- Pensa comigo. É sempre assim. É sempre alguma coisa maior. É sempre um obstáculo intransponível. É sempre uma desculpa para voltar correndo assustado. Droga! Vira homem, olha direito. Não é nada de mais.

Me levanto devagar, ainda um pouco cansado. Essa armadura pesa. Talvez ele tenha razão. Talvez essas coisas todas não sejam na verdade nada de mais. Eu sempre suspeitei. Mas nunca tive certeza. Talvez eu nem precise dessa armadura.

- Tudo bem... Pode ser que os Dragões sejam moinhos de vento.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Cavalo Manco (Parte II)

Aposta feita. Mesmo com o velho homem que recebe as apostas me dando um daqueles olhares que cortam o coração eu coloquei meu dinheiro no Cavalo Manco. Fui forte, enfrentei a tudo e todos, me disfarcei, ainda me disfarço. Só me revelo quando eu puder esfregar na cara daqueles que me disseram o contrário o quão certo eu estava. Subo correndo as arquibancadas. O páreo começou bem mais cedo do que eu esperava. Subo correndo, tentando disfarçar uma indiferença inexistente. Cada gesto de maior alvoroço da platéia me faz olhar para a pista intrigado, querendo saber se já estão rolando os dados. Corro, corro para o ponto mais alto, quero que as pessoas vejam o vencedor. Esbarro em muitos, esbarro e passo por cima de tantos que não vejo o que está na minha cara. O que estava claro o tempo todo para todas as pessoas que tentaram me ajudar. Cá estou. Mais uma vez ofegante. Um misto de adrenalina da corrida com a estafa física de subir isso tudo correndo e sozinho. Tiro meu chapéu ridículo, abro o sobretudo. Nervoso, afoito. “É agora!” Repito para mim em voz baixa vendo os cavalos chegando. Tiro meu bilhete que comprova a aposta, seguro na frente do rosto quase beijando-o. Pareço um personagem de filme. Esperando a grande vitória. É a chance da minha vida. Tudo pode mudar se eu ganhar. Procuro com os olhos meu Cavalo. Estranho, não o vejo. Olho para as baias onde os cavalos ficam, uma está vazia. Congelo. Minha boca fica entreaberta, surpreso. Olho para o lado, chamo a atenção de um homem.

- Com licença. Onde está este Cavalo?

Aponto para o meu bilhete. O homem lê e franze o rosto.

- Ora bolas, você não ouviu? Ele não vai correr.

E então o homem se vira, rindo da minha cara. Fico atônito. O bilhete de apostas escorrega por entre meus dedos e é levado com o vento. Meus ombros caem. Estranho. Meu coração não bate com tanta velocidade. O nó preso no meu peito é quase inexistente. Abaixo a cabeça. Pego meu chapéu e o olho. Suspiro. Enquanto eu recebo o impacto de ter apostado tudo em um Cavalo Manco, que nem correr iria mais, nem percebo o tiro de largada. Os cavalos correm. A multidão grita. Mas tudo é silêncio. O mundo entrou em “Mute” durante aquela corrida. Meus olhos desacreditados se viram para a pista a ponto de pegar o final da corrida. Dane-se qual cavalo ganhou. Eu vou embora. E me coloco a descer as escadas. Durante a descida o mundo voltou a ter som. E ouço alguém falar.

- Como? Ganhei de novo? Ah... Deixa para lá.

Olho na direção e vejo ele. Um homem, alto, bem apessoado. Cheio de jóias e colares e usando roupas caras no seu camarote cheio de pessoas e coisas caras. Não posso evitar de soltar um riso irônico. Sinto uma mão no meu ombro. Olho para o lado com aquele sorriso triste e olhos marejados. Meu amigo, aquele que enganei dizendo que iria comprar pão. Eu sabia que ele não ia pescar essa. Ele me seguiu. Sabia o que eu estava fazendo. Mas não me impediu. Tomo o ar e abro a boca para falar alguma coisa. Ele faz sinal para que eu fique calado. Me da um forte abraço e diz: “ Calma, eu te ajudo a conseguir tudo o que você perdeu de volta”. Eu abraço ele de volta, transtornado com o fato de que o prêmio que aquele homem recebeu não quer dizer nada para ele. A vida dele com ou sem o prêmio seria a mesma coisa. Mas a minha seria tão diferente. Me desfaço do abraço devagar e vou saindo da casa de apostas ao lado do meu amigo, com o mesmo sorriso triste, porém mais feliz. Olho por cima do ombro e lá está o velhinho que tentou me ajudar. Ele encolhe os ombros com um leve sorriso no rosto, como quem diz: “Acontece” Eu apenas alargo meu sorriso e pisco para ele, como quem diz:

“Eu ainda volto para apostar no cavalo certo.”